terça-feira, agosto 17, 2004

28

Te alejas de los nombres
que hilan el silencio de las cosas.

A. Pizarnik

sábado, agosto 07, 2004

Fidelidade

Diz-me devagar coisa nenhuma, assim
como a só presença com que me perdoas
esta fidelidade ao meu destino.
Quanto assim não digas é por mim
que o dizes. E os destinos vivem-se
como outra vida. Ou como solidão.
E quem lá entra? E quem la pode estar
mais que o momento de estar só consigo?
Diz-me assim devagar coisa nenhuma:
o que à morte se diria, se ela ouvisse,
ou se diria aos mortos, se voltassem

Jorge de Sena

sexta-feira, agosto 06, 2004

TEOREMA

Todas as coisas mentem a um olhar severo


Vasco Gato
Vida, mi vida, déjate caer, déjate doler, mi vida, déjate enlazar de fuego, de silencio ingenuo,de piedras verdes en la casa de la noche, déjate caer y doler, mi vida.

A. Pizarnik
no más las dulces metamorfosis de una niña de seda
sonámbula ahora en la cornisa de niebla


su despertar de mano respirando
de flor que se abre al viento



A. Pizarnik

quinta-feira, agosto 05, 2004

Édipo recuperando a visão

Não me escutes.
Eu passo através das salas como uma noite violenta.
Atravesso e não sou senão essa noite peremptória,
que bate nos claustros inebriados,
onde tu procuras escutar-me.

Onde digo noite, digo a inesperada
muralha materna. E digo: somos
o eco de vozes mais simples.
Que um fruto é cego para dentro,
e toda a terra está ameaçada
pela cauda de um cometa.

Não me escutes.
Este é um labor devastado pelo frio,
vontade de um gesto esplêndido
para erguer cada coisa dentro de si mesma.
Surpreender o outro a meio da sua morte
e tocar-lhe as pálpebras, os lábios,
as mãos silenciosas.

Tantas vezes regresso para contemplar
a ressurreição nos campos.
Então a casa é como uma tocha enraizada,
um ser exemplar que domina o horizonte
e no corpo quebra a difusão da luz, gerando
sombras inacessíveis, nomes que se entregam
devagar a crianças vivas e súbitas.
O tempo exaltado das crianças.

Se alguém dorme, é porque se perdeu
no labirinto da sua própria força.~
Lá fora, os frutos tombam e cedem.
O sono expande-se como uma imagem
inquietante, infiltrando-se no segredo das sementes.
Sementes atingidas pelo relâmpago,
metidas e água fria e memória: estalam.
São nervos que estalam.
Não me escutes.

Um crime lento, pedras transidas debaixo da fala.

Quando alguém dorme, o seu nome é tomado de assalto.
E os seus pulsos rebentam de lado, e a boca
enche-se de uma pura intenção de palavras,
e cria as palavras,e cria celurarmente o próprio corpo
num furor gramatical, um imenso texto orgânico.
Quando alguém dorme, lê-se em absoluto silêncio.
Quando alguém dorme, o seu verdadeiro nome
é-lhe restituído.

A terra cresce sobre a paisagem.
Os frutos operam a sua loucura, levantam a terra.
Levantam a falésia central, a lâmina invisível.
Os claustros respiram a cauda de fogo do cometa.
Eu vejo-te, ao fundo das salas atravessadas vejo-te,
e deslumbro-te com a noite entoada,
e surpreendo-te a meio da tua morte

- e amo com os dedos o silêncio em que estás.


Vasco Gato

quarta-feira, agosto 04, 2004

(enviado por mi amiga Elena)

CENTRO

Tocar tu mano y no sentir el hueso
frío que desde dentro ahora la mueve,
sólo la piel caliente, el roce leve
de una carne hecha espíritu, sin peso;

(...)
Cerrarte en un paréntesis de brazos
donde no cabe el mundo, ver que rota
mi ser alrededor de tus caderas,
romper con el exterior todos los lazos,
y entrar en una realidad ignota,
que es sólo un centro en donde no hay afueras.


Lorenzo Oliván in Puntos de fuga

terça-feira, agosto 03, 2004

*

Escorre-me das mãos
esse vórtice
que é a tua perda.

Á noite nua
á maresia húmida
entrego o corpo
que antes era teu.

E os olhos,
pura doçura sem sono
arrastada da monção
oriental e aérea,
espreitam
os meus,
a lágrimas
batidas pelo vento.

Líquida
atiro as mãos,
o vórtice e
a perda:

noctambulo
lençol
porque cobres
apenas
a parte de mim que é
ausência?

Gabriella Marenzio

Guardar

Guardar uma coisa
não é escondê-la
ou trancá-la.


Em cofre não se guarda
coisa alguma
Em cofre perde-se
a coisa à vista

Guardar uma coisa é
olhá-la, fitá-la, mirá-la
por
admirá-la, isto é,
iluminá-la ou ser por ela
iluminado

Guardar uma coisa é
vigiá-la, isto é,
fazer vigília
por
ela, isto é, velar por ela,
isto é, estar acordando
por ela,
isto é, estar por ela ou ser
por ela.


Por isso melhor se guarda
o vôo de um pássaro
Do que pássaros sem vôos.


Por isso se escreve, por
isso se diz, por isso
se publica,
por isso se declara
e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele,
por sua vez,
guarde o que guarda:

Guarde o que quer
que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que quer guardar.


António Cícero