quinta-feira, julho 29, 2004

Mão

É esta a mão
que violentamente
me estendes,
distante,
silênciosa e
imóvel já
de tanta
noite.

Arrasta-se,
dedo a dedo
até ao contorno intraçavel
desse pulso lacteo,
vertiginoso,
onde late
ténue
o chamamento
último
da vida.

Essa vida,
com que ambos brincámos
ao pião,
e como acocoradas crianças
esperámos ver o fim do jogo,
a sua última queda,
o último giro.

É essa a mão
que antes firme
se funde agora
na mais volátil
poeira estelar
onde
nem braços, nem dedos,
nem línguas submeras em duríssimos gelos,
nem fínissimas mãos pintadas de Finlândia,
nem corpos ardendo por azul inteiro
até à cinza última,
redimem o ar morrente
deste resto
poeira de paixão.

Não há rumo tão desejado.
Nem luares de Verão.
Morreu-me
derradeira constelação.
Na vastidão segredada
do universo
colidiram nossos corpos.
Nuvens azul laranja
e de cor tantíssima
são estilhaços galacteos
de coração.

É tão fina e inalcansavel
a nublosa do silêncio.

Lânguidamente esculpo
um último
monumento á memória.
Como homenagem deixo aí
as tuas cinzas
para que o vento as sopre
e o olvido as mate como tu a mim:

de desamor
e esquecimento.

Gabriella Marenzio

Limiar

Bebi desse soro
dessas mãos desconhecidas
estendo-se tão para além
das urgentes cortinas
da memória.

E eram
de gritos,
máquinas reanimadoras,
de sondas, tesouras e fatos verdes,
de alguém que já não respira,
as paredes ásperas
de algodão sujo.

Das veias abertas ao vento
saíam monstros rectilíneos
e uma dor acutilante.

Deixei o corpo.
Aninhei
a pequenita alma
no profundo azul do mar
rebentando em espuma
dedo a dedo,
maresia soprando
da concha da mão.

Vivi desabitada
por entre paredes com olhos
homens de fala azul,
camas-prisão
e olhos desérticos de toque
chamando
inauditas palavras.

Uma única e tão esguia mão
rumava a esse azulado corpo
encontrando aí
pedaços de vidro, algas
lânguidas alforrecas
comendo-se ainda o casquilho
duro da areia.

O corpo
perdeu-se na senda
da secura inatendida.
Nesse deserto infindável
em que as almas são tormentas
de areia fina e insonóra
vi
nascerem céus de carmim
onde alguém espera
e
de frágil e fina figura
acarreta o seu fardo
mais além.

Amadrugava.
E já não bebia desse soro
e todas as mãos
se uniam num turbilhão
anónimo,
branco e verde.
Por entre braços e pernas
arrastava
esse claro e limpo dia.
Lambi o ar
e cuspi-lhe o amargo travo
das noites
de sangue e alcool.

Cada dia
nasce um novo carmim celestial
que engendra figuras
na distância.




Gabriella Marenzio.

terça-feira, julho 27, 2004

Escervo desde a mão
absorta
aguardando as esplanadas
de música
de terror e
de morte

Cantaria Beethoveen
o morte de Ofélia?
Esse absoluto e fluctuante
corpo de alba, cabelos na
ondulação da corrente,
gargarejar de um rio
pedregoso,
o olhar das gárgulas
frígidas mirando do alto
da moral rota.
Cantaria,
apunhalando
o vento gélido do norte.
E assim,
até que
a ausente mão,
seguida de outras mãos,
mãos vivas e aqui
sigam a
perseguição impune do indizível.
Desse acto último e sublime,
guiados de
barca em barca,
atracaremos
leves já
na infinitude da aurora.

Gerados,
submersos no silêncio
e no Nada, somos novos
passageiros do breve
e ondulante azul
cósmico.
Ardemos,
desde que se ergue a primeira voz
até ao timído regresso
ao silêncio.

Olho, já ser ver,
essas esplanadas cegas.

A juventude aguarda no umbral
da morte
essa cor tão querida,
essa mão que nunca chega,
esse amor que irremediavelmente
se perde
no torpor inútil de uma madrugada
ou de uma noite
sempre imensa.

É tão vitalmente tarde

Tudo se funde
ocre e carmim.
Respiro essa infância marítima
esse início.

Dá-me um coração puro e lhe darei
amor eterno:

e amei tantos nomes,
nesta hora tão fina e
quase ausente.
Amei todos
por inteiro
com o que me resta de coração.
E
latejando se perde essa música
tão subtil.


Aguardo.
As esplanadas cegaram de
tanta Luz.
Uma aurora mais clara virá algum dia.
Virá esse toque de um rosto amado
que nunca existiu?
E nua
voo de encontro ao dia
e nele encontro o mais efémero
dos repousos,
procuro
por entre sons,
palavras e
ausências.


Mãe,
quando me ensinas o caminho a casa?

Gabriella Marenzio

domingo, julho 25, 2004

Ninguém tem mais peso que o seu canto.
A lua agarra-o pela raiz,
arranca-o.
Deixa um grito que embriaga,
deixa sangue na boca.
Que seja a demonia: - a arte mais forte de morrer
pela música, pela
memória.

Herberto Helder
Os melhores, aliás, enganam-se quando tentam exprimir, com palavras, o inexprimível. Creio, contudo, que as suas interrogaçoes nao ficariam sem resposta se se limitasse a coisas como estas a que os meus olhos actualmente refazem. Se se agarrar á natureza, ao que nela há de simples e de pequeno, áquilo de quase ninguém se apercebe e que, se transforma no infinitamente grande, no incomensurável - se humildemente procurar ganhar a confiança do que lhe parece miserável - , entao tudo lhe será mais fácil, tudo lhe parecerá mais harmonioso e, por assim dizer, mais conciliante.
A sua inteligencia, surpreendida, ficará talvez para trás; mas  a sua consciencia mais profunda acordará e compreenderá.

Rainer Maria Rilke in Cartas a um jovem poeta 

descobertas para por em pratica, algum dia...

La actividad espontanea es él único camino por el qual el hombre puede superar el terror de la soledad sin sacrificar la integridad  del yo; puesto que en la espontánea realización del yo es donde el individuo vuelve a unirse con el hombre, con la natureza, con si mismo.
El amor es el componente fundamental de la espontaneidad; no ya el amor como disolución del yo en otra persona, no ya el amor como posesión,  sino el amor como afirmación espontánea delñ otro, como unión del individuo con los otros sobre la base de preservación del yo individual.
El carácter dinamico del amor reside en esta misma polaridad: surge de la necesidad de superar la separación, conduce a la unidad...y, a pesar de ello, no tiene por consecuencia la eliminación de al individualidad. El otro componente es el trabajo; no ya el trabajo como actividad compulsiva dirigida a evadir la soledad, no el trabajo como relación con la naturaleza - en parte dominación, enparte adoración y avasallamiento frente a los productos mismos de la actividad humana - , sino el trabajo como creación, en el que el hombre, en el acto de crear, se unifica con la naturaleza. (...) Porque el yo es fuerte en la medida que es activo.(...)
Si el individuo realiza su yo por medio de la actividad espontánea y se relaciona deste modo con el mundo, deja de ser un átomo aislado; el y el mundo se transforman en partes de un todo estructural; difruta así de un lugar legítimo y con ello desaparecen sus dudas respecto de sí mismo y del significado de su vida. Ellas surgen del estado de separación en que se halla y de la frustación de su vida; cuando logra vivir, no ya de manera compulsiva o automática, sino espontaneamente, entonces sus dudas desaparecen. Es consciente de si mismo como un individuo activo y creador y se da cuenta que sólo existe un significado de la vida: el acto mismo de vivir.

Erich From in El miedo a la libertad 

Procura...

"El palcer nos concede de inmediato lo que la sabiduria sólo promete"

Fernando Savater in El jardin de las dudas

quinta-feira, julho 22, 2004

La Chanson des Vieux Amants

 
Bien sûr, nous eûmes des orages
Vingt ans d'amour, c'est l'amour fol
Mille fois tu pris ton bagage
Mille fois je pris mon envol
Et chaque meuble se souvient
Dans cette chambre sans berceau
Des éclats des vieilles tempêtes
Plus rien ne ressemblait à rien
Tu avais perdu le goût de l'eau
Et moi celui de la conquête

 
Mais mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime

Moi, je sais tous tes sortilèges
Tu sais tous mes envoûtements
Tu m'as gardé de pièges en pièges
Je t'ai perdue de temps en temps
Bien sûr tu pris quelques amants
Il fallait bien passer le temps
Il faut bien que le corps exulte
Finalement finalement
Il nous fallut bien du talent
Pour être vieux sans être adultes

 
Oh, mon amour
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore, tu sais, je t'aime

 
Et plus le temps nous fait cortège
Et plus le temps nous fait tourment
Mais n'est-ce pas le pire piège
Que vivre en paix pour des amants
Bien sûr tu pleures un peu moins tôt
Je me déchire un peu plus tard
Nous protégeons moins nos mystères
On laisse moins faire le hasard
On se méfie du fil de l'eau
Mais c'est toujours la tendre guerre

Oh, mon amour...
Mon doux mon tendre mon merveilleux amour
De l'aube claire jusqu'à la fin du jour
Je t'aime encore tu sais je t'aime. 

 
Jacques Brel 
  

terça-feira, julho 20, 2004

"Let me remind you how the Ancients always extolled music, and held it to be sacred, and the wisest philosophers were of opinion that the world was created through music, and the heavens bring forth harmony in their motion, and even our human soul came into being in the same manner, so that its virtues can be awekened and, so to speak, enlived by music."
 
Baldasar Castiglione in Il Cortegiano

sábado, julho 17, 2004

Poema

Tu eliges el lugar de la herida
en donde hablamos nuestro silencio.
Tu haces de mi vida
esta ceremonia demasiado pura.
 
Alejandra Pizarnik

Recado

ouve-me
que o dia te seja limpo e
a cada esquina de luz possas recolher
alimento suficiente para a tue morte
 
vai até onde ninguém te possa falar
ou reconhecer - vai por esse campo
de crateras extintas - vai por essa porta
de água tao vasta quanto a noite
 
deixa a árvore das cassiopeias cobrir-te
e as loucas aveias que o ácido enferrujou
erguerem-se na vertingem do voo - deixa
que o outono traga os pássaros e as abelhas
para pernoitarem na doçura
do teu breve coraçao - ouve-me
 
que o dia te seja limpo
e para lá da pele constrói o arco de sal
a morada eterna - omar por onde fugirá
o etéreo visitante desta noite
 
nao esqueças o navio carregado de lumes
de desejos em poeira - nao esqueças o ouro
o marfim - os sessenta comprimidos letais
ao pequeno-almoço
 
Al Berto

sexta-feira, julho 16, 2004

Infância

Porque fiquei eu
nesse umbral de tempestade
                                  e morte
e tu partiste,
sorriso adentro para um dia mais claro?
 
Gabriella Marenzio

sábado, julho 10, 2004

Cansaço

No abismo nocturno
a criança já nao respira,

estende a mao
onde
lágimas gotejam
duma pétala de
estrela.


Gabriella M.

sábado, julho 03, 2004

Descalzo

Noche sin luna,

alguien, descalzo,

cruza el desierto.

Hay huellas que la noche vela,

hay desnudeces que la luz apaga.


Hugo Mujica

Como el mar

Como el mar,

como su derramarse
playas
para permanecer en sí mismo,

así el alma
en la vida,

pero sin albas
ni estrellas que se reflejen

sin luz alguna que
ciegue su transparencia.

Hugo Mujica