Os anjos em queda
Amigo, temos veias importunas
Pedro Tamen in Retábulo das matérias
Buscámos a
liquidez da lua
pela cidade.
Mirando rios e memórias
indistintamente
lançamos o espanto nas calçadas,
os cabelos ao perfume de cada
palavra.
Conjurámos sob as nuvens e
pactámos buganvílias no
debruçar das esquinas.
Bebemos de cada miradouro
o vento, as cançoes, as estrelas e
os tintes vários dos segredos
a cada encontro.
Abandonadas na corrente
de um olhar terno
subimos as noites.
Ne me quite pas
A quem búscavamos,
buscamos...
Que amamos nós
mudas estátuas
deixadas ás colinas
da madrugada?
Le rouge et le noir
ne s'épouse t'il pas
Viajámos
mas nunca cruzámos
o rio.
Outro rio se espraia e aplana
sob o nosso olhar.
Sem barcas, nem tempo
ou maré.
Apenas corrente.
Fría, frágil corrente sanguínea
revolta até exautao,
ao colapso derradeiro.
E nunca, nunca
soubemos onde tudo começa.
Dissemos sangue,
arrancamos gargantas,
rugimos o cansaço,
o desengano e a espera,
a carícia indelével
desse fulminante beijo
nas costas
onde prostadas e imóveis
ainda esperamos.
Acordámos num
quarto estrangeiro,
onde nao entendíamos mais
que esse choro
fundo e arrastado,
choro de séculos
onde, existindo ou nao,
já sentíamos.
E passou por nós
todo o tempo
atado ao vincado carril
dessa rua já sem nós.
Das ruas em queda
resta a cor dos corpos nas esquinas,
o cheiro nocturno do chá,
as lágrimas de pessego e manga.
Um olhar ao céu.
A inocência de sentir-te
existente.