sábado, outubro 22, 2005

Era impossível




Tenho de me sentar. Sim, claro. Seguíamos a música. Se quiseres eu empresto-te o meu barco. Vens de vez em quando e eu ensino-te a navegar. Mas isso é impossível! Assisti toda a vida a naufrágios. Ao largo da costa amontoam-se carcaças. Vi as famílias rotas, as marés arremessando-se contra os cadáveres. E tu, Estranho, pedes-me me embarque!? Agora que me cruzei com um morto. Agora que vejo fantasmas por entre a névoa. Que falo com eles toda a noite. Hablo con ellos toda la noche. Me cantan com una voz muy fina quebrando el aire. Y así hasta el alba. Agora vens tu, Estranho. Puxas-me imaginariamente da mão e atiras-me à ravina. Só peço que se cale. O rugido do mar. Que se cale! Toda a infância. Passou toda a infância até estar à tua beira. No bordo impossível do corpo. Estranho! Quase caio ou me atiro. Mareada no teu tango. Mas isso já não tem importância. Apenas os teus olhos íngremes. A negrura que me impede de ver o fim. O precipício dos teus gestos soltos acostumados à linguagem dos Homens. O tempo que pende nas ramas ondeadas dos teus cabelos. Então cantei.