sexta-feira, junho 25, 2004

Estação

Estou na estação. Num ir e vir perpétuo.
Um eterno retorno, finito, limitado,
quotidiano.

Disforme, deslizo por entre os líquidos relógios
em que a memória persiste.
A realidade escorre por onde
o meu pé se pousa,
estica-se e molda-se
nesta realidade aquosa,
vital.

Um ruído. Sombras vagas.
Um incómodo fino,
acutilante, imenso:
eis a realidade.

Separa-nos uma grande névoa.
E, sem que ela exista,
infiltra-se ocasionalmente
olhos adentro.
Cinza,
como um cimento aéreo
que se trespassa e respira.
Cinza húmida.
Névoa fria,
como a eterna manhã
da solidão humana.

E a memória persiste
escorrendo, sugando o tempo.

Tempo passado,
o tempo da rejeição.
Tempo que retiro,
Tempo presente.
Tempo impossível,
Tempo futuro.

Tempo que mato
assim.

O Tempo em que a ausência
de mim em mim
ultrapassa toda a consiência,
todo o cosmos intemporal ritmado,
O sempiterno pulsar compassado
das esferas harmonizadas.


O ruído aumenta:
o universo expande ou
retrai-se?
quem sabe onde vamos
rodopiando tempo fora...

E no entanto,
só esta estação de comboios parece ser real,
local de um retorno quase eterno.
De devir quotidiano
com hora marcada.

Chega o comboio.


Por Gabriella Marenzio,
Estaçao de comboios dia 6 de Novembro de 1998